Quando a gente começa uma pesquisa genealógica não dá pra saber quais as dificuldades que virão pelo caminho e nem quais as descobertas que teremos.
Mas é fascinante encontrar documentos que nos levam a pensar em outros temas e assuntos que às vezes não tem nada a ver com aquela pergunta do início da pesquisa.
Eu estava procurando as listas de bordo dos navios que saíram do Porto de Le Havre na França, entre maio de 1877 e julho de 1878 com destino ao Rio de Janeiro, com o objetivo de descobrir registros de uma família que saiu da Província de Treviso.
Depois de verificar as listas de 24 navios, encontrei essa preciosidade nas observações sobre os passageiros do Vapor Henri IV, que saiu da França em 17.11.1877 e chegou no Rio de Janeiro em 13.12.1877, veja só:
"Vieram neste vapor 530 imigrantes relacionados por Joaquim Caetano Pinto Junior e além destes os de nome Pastori Izzio, Mariano Mamento e Biagio Samuele. Nasceu a bordo uma criança filha de Giovanna e Giovanni Sperandio, ao todo 531 imigrantes desembarcados para a hospedaria. Não são agricultores Sardi Francesco e mulher, Venturini Teresa e Menegotto Giovanni. Venturini declarou que voltava no primeiro paquete para o seu país. Sartor Giacomo e Giovanni Valente são um aleijado e outro idiota. Vieram 12 maiores de 45 anos que da lista não se depretende (declaram) serem chefes de família."
Nesta mesma página ainda consta a anotação dos falecimentos a bordo: faleceram 3 crianças Teodoro Zaffanella de 2 anos, Crealdo Maccari de 1 ano e Giovanni Capitanio de 1 ano.
Então significa que além dos 530 passageiros devidamente nomeados na lista, havia mais três a bordo e identificados por este breve relato.
Uma criança nasceu no navio e outras três faleceram.
Havia duas pessoas diferentes das demais. O termo “idiota” era usado para definir aquele portador de problemas mentais, enquanto que aleijado era o que tinha alguma deficiência física/motora.
Os maiores de 45 anos que não se declaram chefes de família e os não agricultores eram assim identificados porque deveriam estar de acordo com o artigo I do Contrato Caetano Pinto, que regia parte do fluxo migratório naquela época.
Milhares de europeus chegaram no Brasil nestas condições por intermédio de um empresário chamado Joaquim Caetano Pinto Junior, que em 1874 firmou um contrato com o Governo Imperial Brasileiro para introduzir 100 mil imigrantes europeus em um prazo de 10 anos.
Das 18 cláusulas do contrato, duas são bastante interessantes:
I
Joaquim Caetano Pinto Júnior obriga-se, por si ou por meio de uma companhia ou sociedade que poderá organizar, a introduzir no Brasil (excepto da Província do Rio Grande do Sul) dentro do prazo de 10 anos, 100.000 imigrantes Alemães, Austríacos, Suíços, Italianos do norte, Bascos, Belgas, Suecos, Dinamarqueses e Franceses, agricultores, sadios, laboriosos e moralizados, nunca menores de 2 anos, nem maiores de 45, salvo se forem chefes de família. Desses imigrantes 20 por cento poderão pertencer a outras profissões.
X
Os imigrantes virão espontaneamente, sem compromisso, nem contrato algum, e por isso nenhuma reclamação poderão fazer ao Governo, tendo, apenas, o direito aos fatores estabelecidos nas presentes cláusulas, do que ficarão plenamente cientes.
O famoso “contratador de imigrantes” oferecia benefícios para aqueles que optavam por cruzar o oceano em direção às américas e recebia subvenção do governo brasileiro de acordo com o número de pessoas inseridas no programa.
Obviamente os italianos que emigraram não conheciam nada a respeito do Brasil e nem sobre as terras ou condições de vida no país subtropical.
E quando desembarcaram enfrentaram mais dificuldades do que poderiam imaginar.
O contrato também garantia a propriedade de um lote às famílias que se estabelecessem nas colônias e terras do Estado.
Nos documentos do navio também havia espaço para registros de possíveis críticas dos passageiros e no caso desta viagem em novembro de 1877, as críticas foram “algumas sem importância”.
Quais poderiam ser as críticas sem importância? De que se queixavam os passageiros de um navio que demorava de 30 a 40 dias para cruzar o oceano, levando a bordo famílias inteiras que sonhavam com um pouco mais de dignidade na vida?
Acho que vou ter que responder a estas perguntas em uma próxima pesquisa...
Commenti